- Eu alinho!
- Eu também alinho!
- Eu a apanhar ondas...
- E eu a apanhar sol... sempre é mais fácil do que apanhar ondas.
- Viver é fixe, não é?
- Ó, s'é...
- Eu alinho!
- Eu também alinho!
- Eu a apanhar ondas...
- E eu a apanhar sol... sempre é mais fácil do que apanhar ondas.
- Viver é fixe, não é?
- Ó, s'é...
Tardávamos diante das palavras, como se os olhos fossem cegar sobre as páginas que não acabávamos de ler, só para fazer durar o engano, o livro, o tempo de todas as leituras. Guardávamos silêncio à cabeceira. E cruzávamos de noite os dedos à procura da luz que emanasse de um seio, da onda do cabelo sobre a orelha, dos ombros, da cintura, do começo dos lábios. Normalmente, achávamos apenas a sombra da roupa na curva dos joelhos, a penumbra entre os nossos corpos quietos e deitados.
É nas linhas das mãos que os deuses escrevem os mais belos romances. Nas nossas, porém, somente elaboraram um divertimento, um esboço, um rascunho, nem sequer literatura.
- Maria do Rosário Pedreira -
Porque as quintas-feiras sempre foram óptimos dias para sair (seja na capital ou na invicta), estar com amigos - recentes, mas bons - e partilhar um belo sushi, muito vinho, whisky e Red Bull (este último para disfarçar), agradecer mas recusar a boleia - ou reconhecimento do terreno - do dono simpático (mas não-giro) do bar cujo nome já nem sei (mas onde quero voltar), rir como uma maluca ao dar voltas e voltas para evitar operações stop no regresso a casa, tentar dormir uma ou das horas e acordar fresca como uma alface para mais um dia de verdadeiro marasmo laboral.
Conversas secretas que morrem entre nós, porque são deliciosamente vergonhosas.
No fim de tudo, perceber que, depois dos 30, estamos no nosso melhor!
Eu, que sou mais banal e vulgar que a mais banal das mulheres. Eu, que sou tão comum que nem preciso olhar-me ao espelho, igual que sou a tantas outras mulheres com que me cruzo e das quais não me distingo. Eu odeio a banalidade! Odeio as frases feitas de quem pergunta: Olá, como está?, e nem quer saber. Odeio os bons dias, as boas tardes, as boas noites, ditos sem pensar, ou a pensar em coisa nenhuma, ou a pensar noutra coisa qualquer que não o desejo que o dia, a tarde ou a noite nos corram bem e sejam bons. Eu odeio frases feitas! Odeio as vizinhas à janela, as amigas e amigos nos cafés, nos bares, nos autocarros, com vidas tão fúteis e pequeninas que dissecam as dos outros, que cortam a casaca dos melhores amigos pedaço a pedaço, achando que os amigos são os melhores amigos, e nunca cortariam as deles. Mas cortam! E são más-línguas, maus carácteres, sem carácter! Eu odeio vizinhas a bisbilhotar à janela! E as pessoas que passam? E a multidão anónima que percorre as ruas em zig-zag, evitando pedintes e mãos que se estendem? E que colam a mala ao corpo, achando que ser pobre é ser ladrão. E se aconchegam na roupa comprada na Zara ou nos mercados de rua, mas muito sua! E que são caridosos, piedosos, apiedados, compreensivos com a desgraça alheia se não tiverem de dar um cêntimo e a caridade for só da boca para fora! Eu odeio a caridade hipócrita da multidão! E os gajos? Os gajos mesmo gajos! Os gajos na verdadeira acepção da palavra! Os que se sentam em esplanadas ou se encostam em montras, esperando as mulheres, as deles, e discretos apreciam pernas e cus das outras, as que passam. E lambem os beiços e coçam os tomates e pensam ou dizem: Esta gaja é muita boa! Como odeio a frase "esta gaja é muita boa", dita por gajos que em casa têm mulheres que nem olham. E às quais nem falam. E que na cama despacham sexo e mulher, despejando o desejo das gajas boas que comeram com os olhos, na rua. Ah! Como eu odeio estes gajos! E as gajas? As santinhas, as púdicas, as que têm sempre na ponta da língua um: Ai credo, um julgamento, uma condenação. As que são contra o aborto, contra a pílula, contra a educação sexual, contra tudo que seja sexo! Escrito, pintado, feito ou falado. E quando têm "maus pensamentos" correm às sacristias: Sr. Padre, sonhei que estava a fazer sexo oral, confessam. Como se sexo oral fosse um pecado capital, esquecendo que só o peixe morre pela boca. E lavam as mãos nas pias, e cumprem todas as penitências, mas falam do sexo da vizinha que é uma descarada. E são donas de verdades absolutas. E nunca têm dúvidas. E só dizem… B a n a l i d a d e s! Ah! Como odeio falsas santinhas e ratas de sacristia! E eu? Eu que sou banal, normal, vulgar, mas odeio a vulgaridade. Eu que mando à merda quem me chateia. Eu que escrevo asneiras se me dá na gana, e que para um sacana sou sacana e meia! Eu odeio sacanas! Aqueles de falas mansas e que parecem santos, e que dão a roupa toda e pelos outros ficam em pêlo, mas em casa vão ao pêlo às mulheres, e deixam-nas: negras de pancada, negras de dor, negras de pavor. Ah… Se pudesse dava um tiro nos cornos desses sacanas! E de outros: os abusadores, os ladrões de inocências, os que roubam infâncias e semeiam pesadelos. Esses, castrava-os a todos! Os do passado, do presente e do futuro, já que a justiça não castra senão a esperança de justiça!… Eu, que sou mais banal e vulgar que a mais banal das mulheres. Eu, que por fora ninguém distingue ou olha duas vezes ao passar. Odeio banalidades!
(desconheço o autor)