terça-feira, maio 11, 2010

ROMA | 20.02.99 - 11.05.10

Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.

Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".

E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir
à despedida.

Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"

E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão sutil... tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...

[José Gomes Ferreira]

domingo, maio 02, 2010

Palavras para a Minha Mãe


Mãe, tenho pena. esperei sempre que entendesses
as palavras que nunca disse e os gestos que nunca fiz.
sei hoje que apenas esperei, Mãe, e esperar não é suficiente.

pelas palavras que nunca disse, pelos gestos que me pediste
tanto e eu nunca fui capaz de fazer, quero pedir-te
desculpa, Mãe, e sei que pedir desculpa não é suficiente.

às vezes, quero dizer-te tantas coisas que não consigo,
a fotografia em que estou ao teu colo é a fotografia
mais bonita que tenho, gosto de quando estás feliz.

lê isto: Mãe, amo-te.

eu sei e tu sabes que poderei sempre fingir que não
escrevi estas palavras, sim, Mãe, hei-de fingir que
não escrevi estas palavras, e tu hás-de fingir que não
as leste, somos assim, Mãe, mas eu sei e tu sabes.

José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"

terça-feira, abril 20, 2010

gentinha


Que é feito dos 'homens de palavra', da 'palavra de honra', dos compromissos sem assinaturas???
'Palavra de honra'... parece ser uma expressão que caiu, aparentemente, em desuso. E isso incomoda-me! Incomoda-me porque recebi a minha educação há mais de 30 anos e me foi dada por alguém que, de facto, sempre honrou a sua palavra, mesmo saíndo a perder de algumas situações. E acho que fui boa aluna! Não me parece nada justo que andem por aí uns quantos FDP que sempre se saem bem, às custas do pézinho no pescoço dos outros... nada justo, mesmo! Mas há-de ter algum propósito... não sei qual, mas há-de ter.

sexta-feira, março 19, 2010

Lembras-te?!

Lembras-te? Sentava-me nos passeios da baixa, a cantar, e obrigava-te a sentar comigo... e tu sentavas e cantavas. Pedia-te para me leres a "história do dia" que vinha no jornal... e tu inventavas uma história para mim. Ocupava as tuas tardes de fim-de-semana com pistas de carros e comboios espalhadas pela sala... e tu gastavas todo o teu tempo comigo naquelas brincadeiras. Pedia-te para me arrastares de cócoras pela calçada portuguesa das ruas do Porto, e tu levavas-me até onde fosse possível. Vamos atrás das pombas... comer um gelado, andar de bicicleta... E tu estavas sempre lá, sempre comigo!

 
Sei que fizeste e ainda fazes tudo por mim... sempre por mim.
Sinto que sou o centro do teu mundo e tu também és o melhor do meu.
Perdoa-me se às vezes não o demonstro.
 
És o melhor Pai do mundo! Feliz dia!

quarta-feira, março 10, 2010

segunda-feira, março 08, 2010

domingo, março 07, 2010

Estranho como um sorriso de um bisturi. Íntimo como um olho sem pálpebra aberto na nossa mão. Deslumbrante como o rumor da passagem de um unicórnio. Fiel como a súbita seda negra do medo. Temível como o brilho da espada de fogo de um arcanjo. Submisso como as ondas que rebentam contra a praia de um peito. Devastador como a clareza de um olhar num espelho quebrado. Inevitável como a ferida feita pela chuva num coração de pedra, o amor chega um dia á nossa vida e nós não estamos.

[Abelardo Linares]

quinta-feira, março 04, 2010

o carácter do destino


Não só as coisas acontecem com as pessoas, (...) cada um gera também aquilo que acontece consigo. Gera-o, invoca-o, não deixa de escapar àquilo que tem de acontecer. O homem é assim. Fá-lo, mesmo que saiba e sinta logo, desde o primeiro momento, que tudo o que faz é fatal. O homem e o seu destino seguram-se um ao outro, evocam-se e criam-se mutuamente. Não é verdade que o destino entre cego na nossa vida, não. O destino entra pela porta que nós mesmo abrimos, convidando-o a passar. Não há nenhum ser humano que seja bastante forte e inteligente para desviar com palavras ou com acções o destino fatal que advém, segundo leis irrevogáveis, da sua natureza, do seu carácter.

[Sándor Márai | 'As Velas Ardem Até ao Fim']

segunda-feira, março 01, 2010

[...]


É... pele sorrisos beijos abraços cheiro olhos corpos conversas calor rir chorar paz olhares mãos momentos sonhos segurança confiança arrepio feliz ter ser entrega destino dar vontade sentir tempo toque verdade  [...] 

segunda-feira, fevereiro 15, 2010


O teu gosto na minha boca
mel que sacia meus desejos
na hora derradeira
do medo de te perder
em meio nos lençóis.
O teu cheiro impregnado
no meu corpo
perfume raro que nem a chuva
leva de mim…
-Ademir Antônio Bacca-

domingo, fevereiro 14, 2010

Happy Valentine's Day

[...]


Encostei-me a ti,
sabendo que eras somente onda.
Sabendo bem que eras nuvem
depus a minha vida em ti.
Como sabia bem tudo isso,
e dei-me ao teu destino frágil,
fiquei sem poder chorar,
quando caí.
-Cecília Meirelles-

terça-feira, fevereiro 02, 2010

as tuas palavras especiais


Tenho que dizê-lo: nunca conheci ninguém como tu!

É um cliché dizer que não há duas pessoas iguais, eu sei... mas tu és, claramente, diferente. E especial! Muito especial. E esses são raros. Nunca ninguém gostou de mim assim... tão incondicionalmente. Sem esperar a-b-s-o-l-u-t-a-m-e-n-t-e nada em troca. É bom e mau. Bom, porque é assim que se deve gostar, e faz-me continuar a acreditar que é possível. Mau, porque acho que nunca consegui retribuir-te da mesma forma, ou melhor... da forma que merecias. Bom, porque essa fé faz com que nunca me canse de procurar. Mau, porque acabo sempre por me dar a quem não merece o tanto que se dá, e isso sim... cansa muito.

As tuas palavras continuam a ser as mais especiais que me chegam...

segunda-feira, janeiro 25, 2010

...


Às vezes mais vale desistir do que insistir, esquecer do que querer, arrumar do que cultivar, anular do que desejar. No ar ficará para sempre a dúvida se fizemos bem, mas pelo menos temos a paz de ter feito aquilo que devia ser feito, (...). Às vezes é preciso mudar o que parece não ter solução, deitar tudo abaixo para voltar a construir do zero, bater com a porta e apanhar o último comboio no derradeiro momento e sem olhar para trás, abrir a janela e jogar tudo borda fora, queimar cartas e fotografias, esquecer a voz e o cheiro, as mãos e a cor da pele, apagar a memória sem medo de a perder para sempre, esquecer tudo, cada momento, cada minuto, cada passo e cada palavra, cada promessa e cada desilusão, atirar com tudo para dentro de uma gaveta e deitar a chave fora, ou então pedir a alguém que guarde tudo num cofre e que a seguir esqueça o segredo. Às vezes é preciso saber renunciar, não aceitar, não cooperar, não ouvir nem contemporizar, não pedir nem dar, não aceitar sem participar, sair pela porta da frente sem a fechar, pedir silêncio e paz e sossego, sem dor, sem tristeza e sem medo de partir. E partir para outro mundo, para outro lugar, mesmo quando o que mais queremos é ficar, permanecer, construir, investir, amar.
Porque quem parte é quem sabe para onde vai, quem escolhe o seu caminho e mesmo que não haja caminho porque o caminho se faz a andar, o sol, o vento, o céu e o cheiro do mar são os nossos guias, a única companhia, a certeza que fizemos bem e que não podia ser de outra maneira. Quem fica, fica a ver, a pensar, a meditar, a lembrar. Até se conformar e um dia então esquecer.
 
Margarida Rebelo Pinto