sábado, março 14, 2009


Mãe, eu quero ir-me embora – a vida não é nada daquilo que disseste quando os meus seios começaram a crescer. O amor foi tão parco, a solidão tão grande, murcharam tão depressa as rosas que me deram – se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer. Mãe, eu quero ir-me embora – os meus sonhos estão cheios de pedras e de terra; e, quando fecho os olhos, só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos os sonhos que tiveste para mim – tenho a casa vazia, deitei-me com mais homens do que aqueles que amei e o que amei de verdade nunca acordou comigo. Mãe, eu quero ir-me embora – nenhum sorriso abre caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca. Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez não chames pelo meu nome, não me peças que fique –as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue de uma ferida que se foi encostando ao meu peito como uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer. Mãe, eu vou-me embora – esperei a vida inteira por quem nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem. Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas essa voz, tu sabes, não é a tua – a última canção sobre o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão tão grande, e as rosas que disseste um dia que chegariam virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar.


- Maria do Rosário Pedreira -

2 comentários:

Sofá Amarelo disse...

Vida e mistério confundem-se... nunca sabemos o que é um nem o que é o outro...

Anónimo disse...

que saudades.............